Num lento pestanejar, leva
as mãos aos olhos sem saber muito bem onde está. A leve neblina tudo envolve e
o ar gélido que percorre os mares da Terra Nova fá-lo acordar. Sente um arrepio
na espinha e o terror de não ver a embarcação principal... tem um bacalhau
preso à linha, e não faz a menor ideia onde se encontra.
Vento e mar, são os únicos
sons num filme de terror que tarda em terminar.
Quero acordar, quero
acordar, pensa. Não era um sonho… o pesadelo, esse, era bem real.
Para trás ficara a mulher
e os filhos… para trás a terra pobre…
Três meses de mar já
passados a vinte horas diárias de trabalho, vencido pela exaustão e um “dory”
pleno de bacalhau, num mar agora zangado e ainda mais perigoso.
A embarcação de boca
aberta, em madeira, constituída por três remos, bancos, forquetas, balde,
mastro, verga e vela, não parecia estável… recolhe o aparelho, deita algum do
bacalhau fora na tentativa de voltar a equilibrar o bote.
Olha para a pequena bússola
sem saber as horas, o dia já vai alto… sabe que consegue adivinhar a posição do
navio, se este ainda aí estiver.
Começa a remar como nunca
remou, a força, essa, vem muito certamente da alma, do instinto de
sobrevivência, certo de que baixar os braços não é opção.
A neblina acalma e um
vulto de grandes dimensões surge no horizonte. Já sem força para continuar, os
sentidos desligam-se, o fim está iminente.
A sensação de conforto de
uma cama e lençóis, a temperatura amena de uma divisão impecavelmente limpa e
alguém a lhe falar numa língua indecifrável, “estou louco”, pensou.
Mas não estava… encontrado
já inconsciente, por um navio de carga russo, um segundo folego foi-lhe
oferecido…
A vida, essa, é feita de
pequenos milagres…